Para acabar de uma vez para sempre com a Veneza do Atlântico

Para acabar de uma vez para sempre com a Veneza do Atlântico
“Lisboa, a Veneza do Atlântico?” é título fancy mas excessivo e inadequado, que Paulo Trigo Pereira publica no Observador em meados de Dezembro de 2016 (1)
O autor é catedrático em escola de referência, personalidade pública que inspira respeito e deputado pelo PS. A sua opinião sobre Lisboa tem influência política e social, pelo que exige escrutínio neste e em futuros posts.

No presente post

-apresentamos a diferença entre os territórios da Zona crítica de Lisboa e Città Storica di Venezia e a parecença da evolução da população residente nos dois espaços,

-esmiuçamos factos, opiniões e erros de um artigo de opinião de Paulo Trigo Pereira.


O post é apoiado pelo documento “Informação útil a quem opina sobre turismo e Lisboa” (aqui). Recomendamos leitura dos Princípios Gerais do blogue (http://sergiopalmabrito.blogspot.pt/p/apresentacao.html).



1.Zona crítica de despovoamento de Lisboa e Città storica di Venezia

*A comparação sem sentido e a que faz sentido
Città metropolitana di Venezia, Comune di Venezia e Città storica di Venezia são descritas no capítulo 8 do documento de apoio. Mostramos não podermos comparar as aglomerações urbanas e as cidades, e fazer sentido comparar Zona crítica de despovoamento de Lisboa com a Città storica di Venezia.

*Zona crítica de Lisboa e Città Storica di Venezia – o território
No post base sobre Território e turismo em Lisboa (aqui) apresentamos o território da Zona crítica de Lisboa.

A figura 1 mostra como a Città Storica é uma ilha com menos de 9 km2 (Lisboa ocupa 83.74 km2) ligada ao Continente por via rápida e caminho-de-ferro.

Figura 1 – Città storica di Venezia


Fonte: Ver Nota (2).

*Zona crítica de Lisboa e Città Storica di Venezia – a diferença
O quadro 1 compara superfície e população Zona crítica de Lisboa e da Citá Storica di Venezia. Apesar da diferença na superfície e população, podemos comparar os dois espaços.



Orografia, tecido urbano e envolvente marcam diferença a ter sempre em conta. Com efeito, a Città Storica

-é plana e a laguna define limites numa envolvente aquática, que não podem ser comparadas com as colinas de Lisboa e o elemento paisagístico que o estuário do Tejo representa para as microcentralidades turísticas referidas antes,

-ocupa 7,98 km2, espartilhados pela laguna diferente dos 4,88 km2 da Zona crítica, um espaço aberto sobre o Tejo e envolvido pela Urbe Histórica que o prolonga,

-tem tecido urbano cerrado, com muitas casas sem vistas e sem espaços que o abram à população, com apenas a Praça de S. Marcos que é pouco mais de um terço do Terreiro do Paço, enquanto Lisboa é o que sabemos e é muito diferente.

*Meio século a ter em conta
Na Zona crítica de despovoamento de Lisboa, os efeitos verdadeiramente significativos da procura/oferta de turismo só se manifestam a partir de 2011. Aí encontram o resultado da queda sustentada de população entre 1960/2011: um espaço despovoado, com população envelhecida e alojamentos vagos ou de segunda residência, e com casas velhas e em má condição. Este meio século de despovoamento não é consequência do turismo, antes cria a urbe que vai acolher os turistas na origem da reabilitação urbana em curso e de tensões com população residente.

Durante o mesmo período, o despovoamento da Citá Storica di Venezia coincide com crescimento do turismo e é certamente influenciado, para o mal e para o bem, por este.

São duas dinâmicas que diferem em factor determinante: o papel do turismo no passado e nos próximos anos. Paulo Trigo Pereira erra ao ignorar esta diferença estrutural.

*Zona crítica Lisboa e Citá Storica Venezia: quantificar a população
Os gráficos 1 a 3 comparam a evolução 1960/2011 da população da Zona crítica de despovoamento de Lisboa e da Citá Storica de Veneza. Vale a pena pesquisar as causas da evolução da população nas duas urbes seguir o mesmo padrão, apesar das diferenças da história e geografia:

-a Zona crítica começa com população superior à da Città Storica (164 milhares de habitantes e 145 milhares, respectivamente), mas acaba com população inferior (44 milhares de habitantes contra 59 milhares),

-a evolução em índice, a partir de 100 em 1960, ilustra melhor esta evolução: em 2011, a Zona crítica está no índice 27 e a Città Storica em 41,

-ambas urbes apresentam grande queda de população na década de 1960, menor queda na de 1970, queda acentuada nas décadas de 1980 e 1990 e, por fim, expectável menor queda na de 2000.

Há outra realidade inesperada e a exigir explicação que exige mais pesquiza:
-a população residente desce mais na Zona crítica sem turismo e com rendas bloqueadas, do que na Città Storica com turismo ao longo dos anos.

Gráfico 1 – População Zona crítica Lisboa e Citá Storica (milhares habitantes)


Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamento da População, e https://www.comune.venezia.it/archivio/4055

Gráfico 2 – População Zona crítica Lisboa e Citá Storica (índice 1960=100)


Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamento da População, e https://www.comune.venezia.it/archivio/4055

O gráfico 3 é o que melhor ilustra a parecença na evolução da população residente na Zona crítica e na Cittá Storica, cuja origem e contexto são diferentes:

-a Città Storica tem longa história nas relações entre a Europa e o Oriente próximo e está nas franjas do pentágono europeu,

-a Zona crítica é o instrumento que criámos para analisar a relação entre território e turismo no que é o coração da Urbe Histórica de Lisboa, onde os horizontes do século XVI já são apenas história.

Gráfico 3 – População Zona crítica Lisboa e Citá Storica (variação decenal)



Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamento da População, e https://www.comune.venezia.it/archivio/4055


2.Factos, opinião e erros de Paulo Trigo Pereira

*Factos …
O artigo de PTP começa com factos:

-“A cidade histórica de Veneza tinha cerca de 200.000 habitantes em 1980 e apenas menos de 55.000 em 2016.
Lisboa em 1981 tinha 801 mil residentes, e em 2015 estima-se que sejam perto de 500 mil.”.

Aqui há um erro e PTP não pode errar em factos de base: a população da cidade histórica de Veneza diminui de 95k habitantes em 1980, e não 200k, para 55k em 2015. O erro agrava a descida de população da Città Storica e induz o leitor em erro, mas não é o que verdadeiramente nos interessa.

*… e opinião …
O autor continua:

-“Lisboa está mais bonita (melhor ficará quando as obras acabarem) e mais vibrante.

Mas queremos o centro histórico e as zonas mais nobres de Lisboa como um museu parcialmente deserto de residentes (nacionais ou internacionais) e em grande parte habitado e frequentado apenas por turistas e visitantes ocasionais?

Depois de um profundo processo de suburbanização endógeno das últimas décadas, assistimos agora a dois outros fenómenos simultâneos:

-o da gentrificação e do parcial despovoamento de residentes de certos bairros da cidade (Bairro Alto, Castelo, Alfama, etc.) e

-da sua substituição quer por crescente oferta turística de diferente tipo (hotéis, hostels, alojamento local), quer por propriedades adquiridas por residentes não habituais de classes altas.”.

*… erros
O texto remanescente do artigo de PTP, dá a entender que “agora” é ‘depois de 2011’. Neste quadro temporal, Paulo Trigo Pereira comete dois erros:

-no post sobre População residente e turismo em Lisboa 1960/2011, mostramos não ser possível falar do período posterior a 2011 sem ter em consideração o meio século anterior,

-não pode ser tão assertivo sobre “gentrificação” e “substituição” sem quantificar minimamente estes processos.

O terceiro e mais importante erro do autor consiste em comparar Lisboa e Veneza sem ter feito a pesquiza que põe em evidência factos importantes:

-a evolução da população residente entre 1960/2011 na Zona crítica e Città Storica segue o mesmo padrão, apesar de diferenças entre Lisboa e Veneza,

-a população residente desce mais na Zona crítica sem turismo e com rendas bloqueadas, do que na Città Storica com turismo ao longo dos anos.

A Bem da Nação

Lisboa 23 de Fevereiro de 2017

Sérgio Palma Brito

Notas

(1)Ver 2016.12.13 Observador, Paulo Trigo Pereira Lisboa, a Veneza do Atlântico?

(2)Ver
https://www.google.pt/maps/place/Veneza,+It%C3%A1lia/@45.4053211,12.1015609,10z/data=!3m1!4b1!4m5!3m4!1s0x477eb1daf1d63d89:0x7ba3c6f0bd92102f!8m2!3d45.4408474!4d12.3155151

Sem comentários:

Enviar um comentário