População, alojamento e turismo de Lisboa, a urbe antes do turismo

O actual surto de crescimento do turismo em Lisboa tem início em 2004 e a sua implantação na urbe só começa a ser notada no virar das décadas de 2000/2010.

As actividades turísticas tendem a concentrar-se na ‘urbe histórica’ e exigem a compatibilização do dilema ‘conservar e desenvolver’ em contexto urbano. Se queremos qualificar as respostas a este dilema, temos de conhecer as dinâmicas económicas sociais e culturais que ocorrem nesta urbe histórica de Lisboa nas últimas dezenas de anos.

Este post limita-se a divulgar a evolução de dois processos que estão na base do conhecimento destas dinâmicas e por elas são influenciados: a evolução da população residente desde 1960 e a utilização dos alojamentos familiares desde 1981.

Esta evolução deve ter em conta o crescimento de passageiros no aeroporto de Lisboa, já descrito em post anterior (1), e factores ligados à evolução da urbe histórica, que apresentaremos nos próximos dias.

Num País onde há muita opinião e pouca quantificação é sempre oportuno recordar Joel Serrão: “Ora, como é evidente, a síntese não é possível onde a análise mal principiou”.


*Uma extensa faixa de ‘urbe histórica’ e a amostra
Sem museu, monumento ou atracção que a afirmem como destino turístico, a diferença da oferta de turismo de Lisboa reside na extensa faixa de urbe histórica que se estende sobre colinas e ao longo do Tejo, nos doze quilómetros de Belém ao Beato.

Desta faixa, analisamos uma amostra de dezassete freguesias das três zonas turísticas do Centro Histórico da Cidade (2).

Temos provas dadas de não cair na esparrela do conhecido dilema do ‘a favor ou contra o turismo’ (3). Este e outros posts não são nem libelo acusatório nem defesa cega do turismo em Lisboa. São esforço que visa ajudar o leitor a pensar com a sua cabeça.

*População residente
Entre 1960/2011, Lisboa perde 32% da população, mas as 17 freguesias perdem 72%, passando de 121 mil a 34 mil habitantes (gráficos 1 e 2). Esta evolução e a diferença com a do concelho de Lisboa são particularmente relevantes para a nossa análise.

Esta perda de 87 mil habitantes ocorre antes do boom da oferta turística e a sua explicação exige investigação que nos informe sobre o que está em causa: qualificar a resposta publica e privada à compatibilização do dilema ‘conservar e desenvolver’.

Gráfico 1 – População residente no concelho de Lisboa e nas 17 freguesias
(milhares)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

Gráfico 2 – Evolução da população residente em índice
(1960=100)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

Com excepção da década atípica de 1970, o ritmo da perda de população residente diminui ao longo do tempo, de 34 mil nos anos 60 a 5 mil nos anos 2000 (gráfico 3).

O aumento da população residente no País durante a década de 1960 está ligado ao regresso dos portugueses que viviam nas colónias. Ignoramos se nesta zona há outro factor que explique a diminuição da população.

Gráfico 3 – Variação da população residente nas 17 fregesias por décadas
(milhares)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

*Alojamento
Começamos por um ponto prévio: o número total de alojamentos familiares nas 17 freguesias é praticamente idêntico em 1981 e 2011, mas varia em 1991 e 2001 (gráfico 4). Ignoramos a explicação, mas admitimos que em 1991 e 2001 tenha havido menos rigor numa contagem de alojamentos que pode não ser fácil em edifícios vetustos e degradados. O essencial é podermos comparar os números de 1981 e 2011.

Gráfico 4 – Número total de alojamentos familiares nas 17 freguesias
(milhares)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

Entre 1981/2011, Lisboa perde 6% de apartamentos de residência principal, mas as 17 freguesias perdem 37%, de 25.876 para 16.239.

Em 2011, quando a implantação da oferta de turismo na urbe começa a ter significado,

-nas 17 freguesias da amostra da ‘urbe histórica’, os 27.138 apartamentos repartem-se em 59.8% de residência principal, 12.4% de residência secundária (3.375 unidades) e 27.7% (7.524 unidades).

-por outras palavras, na primeira linha de utilização turística estão 10.899 alojamentos de residência secundária e vagos (3375+7524=10899).

Gráfico 5 – Numero de alojamentos por utilização
(unidades)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

Sobre a variação da utilização dos alojamentos por décadas (gráfico 6):

-o ritmo de descida do número de alojamentos de residência principal diminui, de 5.492 nos anos 80 a 1.145 nos anos 2000,

-o número de apartamentos vagos aumenta ma década de 1990 (de 1.722 para 3.367) e diminui na década de 2000 (para 995).

Gráfico 6 – Variação da utilização dos alojamentos por décadas
(unidades)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

*Habitantes por alojamento de residência principal
O número de habitantes por alojamento de residência principal diminui ao longo do tempo. A análise desta evolução está fora do âmbito do nosso trabalho porque exige pesquiza no campo, mas comparamos:

-no Algarve e no contexto de rápido aumento da população residente e do numero de alojamentos de residência principal, o número de habitantes por alojamento de residência principal também diminui,

-por outras palavras, dinamismo urbano e retrocesso na urbe conduzem à mesma evolução.

Gráfico 7 – Número de residentes por alojamento de residência principal
(unidades)

Fonte: Elaboração própria com base em INE, Recenseamentos da População e Habitação

*Uma das diferenças de Lisboa
O desenvolvimento do turismo em Lisboa a partir do fim da primeira metade da década de 2000 está na origem de uma dinâmica urbana que acontece numa vasta urbe histórica que perde população há meio século e dispõe de parque habitacional degradado e onde, apenas em 17 freguesias, há 10.899 alojamentos de residência secundária e vagos abertos a reabilitação urbana e utilização turística.

Esta é uma das diferenças do turismo em Lisboa, assim sejamos nós capazes de a valorizar.



A Bem da Nação

Lisboa 31 de Março de 2016


Sérgio Palma Brito



Notas
(1)Ver Como cresceu o número de passageiros no aeroporto de Lisboa? em


(2)As dezassete freguesias são: Castelo, Encarnação, Graça, Madalena, Sacramento, Santa Catarina, Santa Justa, Santo Estêvão, Santos-o-Velho, São Cristóvão e São Lourenço, São Miguel, São Nicolau, São Paulo, São Vicente de Fora, Sé, Socorro, Mártires. Centro Histórico da Cidade é definido pela CML. Zonas turísticas’ é uma noção do Plano Estratégico para o Turismo na Região de Lisboa 2015-2019, da Associação Turismo Lisboa.

(3)Para além de muitas outras intervenções, lembro o livro Território e Turismo no Algarve, acessível em

http://www.ciitt.ualg.pt/01/Territorio_e_Turismo_SPB.pdf


Como cresceu o número de passageiros no aeroporto de Lisboa?

O debate sobre turismo sofre desde há muito com a falta de informação estatística fidedigna e, pior ainda, com a falta de procura por esta informação – governo, administração, universidades, iniciativa privada e opinião pública ruminam os poucos números disponíveis, não exigem mais e parecem ignorar a sábia opinião de Joel Serrão: “Ora, como é evidente, a síntese não é possível onde a análise mal principiou”.

A captura do debate do turismo por protagonismos pessoais e ambições políticas pode dizimar o pouco que resta da análise quantificada do turismo. Independentemente da validade de algumas opiniões que expressam, é o que parece estar a acontecer com Rui Moreira no Porto e Catarina Portas em Lisboa. Depois de termos escalpelizado os excessos de Rui Moreira, este post é o nosso primeiro contributo para debater o turismo em Lisboa. Em próximo post analisaremos as propostas de Catarina Portas.

*Cuidados a ter na leitura dos números do aeroporto de Lisboa
Na informação estatística sobre o aeroporto de Lisboa, haverá cerca de 12% de passageiros em tráfego territorial e interior e 88% em tráfego internacional (1). Nestes 88% de passageiros em tráfego internacional,

-a deslocação de ida e volta de um turista residente em Portugal (turismo emissor) ou no estrangeiro (turismo receptor) representa dois passageiros (embarca e desembarca ou vice versa),

-um turista não residente que utiliza o hub de Lisboa representa quatro passageiros (desembarca e embarca em Lisboa na ida e na volta).

As estimativas variam ao longo dos anos e a importância do turismo receptor aumenta em relação ao turismo emissor e à actividade de hub intercontinental e também nacional (ligações para Faro, Porto e Regiões Autónomas).

-até há poucos anos era aceite haver um terço de emissor, receptor e hub,

-dado o crescimento do número de passageiros nos últimos anos, arriscamos qualquer coisa como 50% de turismo receptor, 20% de emissor e 30% de hub (2).

Assim, em 2015 terão desembarcado no aeroporto de Lisboa 4.4 milhões de turistas (20.088*0.88/4=4.419, mais exactamente), que se repartem por Lisboa cidade, área metropolitana e outras zonas do País (3).

Este raciocínio não tem a base quantitativa que exige, mas é o possível com base na informação de que dispomos – a realidade não será muito diferente.

*Passageiros aeroporto Lisboa - variação anual entre 2002/2015
O gráfico 1 mostra quatro períodos desde o arranque do crescimento do número de passageiros no aeroporto de Lisboa:

-os quatro anos que vão de 2004 a 2007, com o início do crescimento,

-a estagnação do crescimento em 2008 e 2009 devido à crise,

-o retomar do crescimento entre 2010 e 2013,

-o reforço do crescimento em 2014 e 2015 com a base da Ryanair.

Este calendário é importante em si e porque situa a capacidade de reacção da Cidade ao crescimento do Turismo.

Gráfico 1 – Passageiros no aeroporto de Lisboa em variação anual
(milhares)

Fonte: Elaboração própria com base em informação da ANA Aeroportos

*Evolução do número de passageiros no aeroporto de Lisboa
Os gráficos 2 e três ilustram a evolução do número de passageiros no aeroporto de Lisboa, em quantidade e índice. A informação destes gráficos enquadra a do gráfico 1.

Gráfico 2 – Passageiros do aeroporto de Lisboa em quantidade
(milhares)

Fonte: Elaboração própria com base em informação da ANA Aeroportos

Gráfico 3 – Passageiros do aeroporto de Lisboa em índice
(2001=100)

Fonte: Elaboração própria com base em informação da ANA Aeroportos


A Bem da Nação

Lisboa 30 de Março de 2016

Sérgio Palma Brito


Notas

(1)A relação 88/12 é a factual de 2014.

(2)Em nossa opinião, o nível de crescimento do número de passageiros em 2014 e 2015 implica uma maior percentagem de turismo receptor quando comparados com os outros anos de crescimento.

(3)Em 2015 há 20.088k passageiros no aeroporto de Lisboa – ver gráfico 2.



Aeroportos de Espanha em 2015 – para além da euforia

Depois de três anos de crescimento acelerado e com a tendência a manter-se em 2016, os aeroportos de Espanha vivem euforia a moderar: o número de passageiros em 2015 ainda é inferior ao de 2007 (1).

Para além da euforia importa reter três factos:

-diferença de padrão de crescimento entre aeroportos de cidade da deslocação turística de tour urbano e cultural (city break) e de áreas turísticas da deslocação de estadia (long stay) (2);

-Ryanair e Vueling dominam, seguidas da Air Europa e Iberia, mas o quarto lugar da Iberia exige considerar que as empresas do Grupo IAG (Iberia, Vueling, Iberia Express e Air Nostrum) lideram com tráfego de 59 milhões de passageiros, práticamente o dobro da Ryanair,

-a repartição do número de passageiros por mercados é liderada de longe pela Espanha, seguida de larga supremacia dos países da velha Europa Ocidental e excepção de EUA e Polónia.


*Crescimento até 2007, posterior oscilação e 2015 inferior a 2007
O número de passageiros nos aeroportos de Espanha

-cresce 63% entre 1997/2007, passando de 128.9 a 210.4 milhões,

-depois, oscila com mínimos de 187 milhões (2009 e 2013) e máximo de 207.4 milhões em 2015,

-apesar de crescimento acelerado entre 2013/2015 (taxas anuais a crescer), o valor de 2015 ainda é inferior ao de 2007




*Aeroportos de cidade e de áreas turísticas do Mediterrâneo
Entre 2014/2015,

-os aeroportos de cidade são os que mais crescem: Madrid, Sevilha, Valência, Bilbau e Barcelona,

-os aeroportos de áreas turísticas crescem a ritmo menos acelerado, com a excepção de Menorca,

-Tenerife Sul, aeroporto de área turística sem trafego outbound de população local, é único em que o número de passageiros diminui.

Há uma diferença de padrão do crescimento de passageiros em aeroportos da deslocação de tour urbano e cultural (city break) e em aeroportos da deslocação de estadia (long stay).




*No TOP 15 das linhas aéreas a Iberia é #4 mas o IAG é #1
Contrariamente à nova prática da ANA, a AENA divulga números por companhia aérea. Numa primeira leitura,

-Ryanair e Vueling dominam, seguidas da Air Europa e Iberia – a Full Service Carrier de Espanha é #4 no ranking.

Se considerarmos as empresas do Grupo IAG (Iberia, Vueling, Iberia Express e Air Nostrum), o International Airlines Group lidera com um tráfego de 59 milhões de passageiros, práticamente o dobro da Ryanair.




*O primeiro dos ‘TOP 15 country markets’ é Espanha
A repartição do número de passageiros por mercado nacional é marcada pela importância da Espanha com 62 milhões.

A repartição do número de passageiros por mercados internacionais confirma a supremacia da Europa, com a excepção dos EUA e os seus 3 milhões de passageiros.





A Bem da Nação

Lisboa 30 de Março de 2016

Sérgio Palma Brito


Notas

(1)O presente post é baseado em
2016.03.14.anna.aero.Vuling.Ryanair.Spanish.Supremacy


Vueling and Ryanair battle for Spanish supremacy; Madrid growing fast once more as UK market set to see significant growth in S16

A análise do presente post será aprofundada em futuro post com base nos dados publicados pela AENA.

(2)Já referimos a necessidade de diferenciar as deslocações turísticas de ‘lazer, recreio e férias’ (na linguagem de pau do INE) em deslocação turística de tour urbano e cultural na cidade (city break) e em deslocação de estadia (long stay) para áreas turísticas. Na realidade, a Bacia Turística Alargada do Mediterrâneo forma-se, a partir dos anos cinquenta do século XX, pelo desenvolvimento rápido e simultâneo de várias áreas turísticas, cada uma formada em torno do aeroporto, que a torna acessível às classes médias do Norte da Europa. As áreas turísticas desenvolvem-se segundo modalidades, tempos e morfologias diferentes, mas partilham elementos invariantes. Acessibilidade aérea, mais tempo livre e rendimento disponível oferecem uma geografia, dimensão e diversidade novas, à procura da viagem para estanciar durante o tempo livre. Os limites da Bacia estendem-se, para Oeste e Sudoeste, ao Algarve, à costa marroquina e às Ilhas Atlânticas, para Nascente, ao Mar Negro e ao Vermelho.