TAP – Reversão da privatização e a TAP no futuro

O processo em curso de reversão da privatização tem implicações profundas na TAP no futuro.

Com este post pretendemos ajudar o cidadão a formar opinião e mostramos como a política e opinião pública não têm ou não querem ter consciência da realidade que descrevemos nos três posts anteriores.

*Uma série de quatro posts
O processo em curso de reversão da privatização da TAP tem implicações profundas no futuro da empresa e impacte no País. Para ajudar o cidadão a formar opinião, publicamos três posts (primeiro, segundo, terceiro, quarto) interligados:

-TAP – Regulação europeia, transformação do mercado e realidade
Post no qual descrevemos o contexto regulatório e de mercado em que a privatização da TAP e a sua reversão se inserem,

-TAP – Que importância para o turismo em Portugal?
Post no qual mostramos a real dimensão da importância da TAP para o turismo em Portugal,

-TAP – Indicadores de performance e produtividade do trabalho
Post no qual se mostra os indicadores que desconhecemos e explicamos alguns a que temos acesso – uma companhia de aviação não se avalia só com número de passageiros e ocupação dos aviões,

- TAP – Reversão da privatização e a TAP no futuro
Post no qual sintetizamos o que se conhece da reversão da privatização e tentamos mostrar o que esta representa.

Boa leitura e previa consulta dos Princípios Gerais do Blogue em:


1.Atamancar a privatização e a reversão da privatização

*O ‘accionista estado português político partidário’
Em tudo o que segue, lidamos com o ‘accionista estado português político partidário’ que referimos no primeiro post e descrevemos quando analisámos a ‘privatização da TAP de 2014/2015’ (1). Recordemos ser este accionista que

-com incompetência e falta de transparência, privatiza a TAP em 2015, mais de vinte anos depois de se ter comprometido a fazê-lo,

-desde 2000/2001, deixa que a descapitalização da empresa se agrave ao ponto de comprometer a deixar ir quase à cessão de pagamentos,

-divide-se em decidir quem capitaliza a TAP no âmbito de reestruturação por accionista privado com lógica empresarial ou accionista estado sob controle estrito e burocrático da União Europeia.

*Ignorar/negar as consequências da liberalização
O processo de privatização da TAP e o da sua reversão partilham um denominador comum, o de governo e oposição ignorarem

-o que de mais estrutural há na liberalização de 1993: a TAP tem de passar a ser uma empresa sustentável em mercado aberto e concorrencial e sem ajuda do Estado,

-disposições da União Europeia sobre Ajuda do Estado a empresas em dificuldade e Obrigações de Serviço Público que condicionam a capitalização pública da TAP e o subsidiar actividades não rentáveis,

-por fim mas não menos importante, a transformação estrutural do mercado europeu do turismo.

Não é só governo e oposição. Como mostramos em outro post (2), forças vivas do Porto e Norte ignoram a realidade comezinha de, a TAP obrigada a ser rentável em mercado aberto, concorrencial e sem ajuda do Estado, não poder operar rotas estruturalmente deficitárias, por falta de procura ou pela concorrência que opera a custos mais baixos e ter de salvaguardar a competitividade do hub de Lisboa de que depende a sua sobrevivência.

*Atamancada a privatização, atamancar a sua reversão
Desde 2012, o processo de privatização da TAP sofre de falta de transparência/competência por parte do governo e de impreparação e ausência de profissionalismo por parte da oposição do PS. Entre 2014/2015 e apesar do leader do PS dispõe de inside information qualificada sobre a empresa perde-se em erros técnicos e metáforas duvidosas. Nesta cena, os disparates do discurso coloquial do então ministro da Economia são tão maus ou piores.
Sobre a justificação da reversão, apenas temos declaração do ministro do Planeamento:

-“Por um lado, o Estado considera importante a participação de um parceiro minoritário porque a TAP precisava de ser capitalizada. Uma coisa é ter um parceiro minoritário, outra é lavar as mãos, deixar a empresa, deixar de se preocupar com a lusofonia, com o hub e sair da TAP. Fica muito clara esta diferença e é neste sentido que estamos a trabalhar”, afirmou Pedro Marques. (3).

Falta acrescentar a crítica ao finalizar da privatização por governo em funções mas já derrotado no Parlamento. Falta sobretudo o mais importante, que todos sabemos e é corrente em Portugal:

-governo, administração, oposição e universidades não dispõem de centro(s) de conhecimento que ajudem da formulação de politica, propostas e criticas à aviação civil em Portugal, com destaque sobre o processo de privatização/reversão da TAP.

*Portugal – a 17 de Dezembro de 2015
A 17 de Dezembro de 2015, depois da reunião com o ministro do Planeamento, Humberto Pedrosa declara:

-"O nosso projeto não se adapta com minoria" e "Estamos a conversar [com o Governo]. Isto foi uma primeira conversa, com certeza que o Governo não quer fechar a porta e nós não queremos fechar a porta".
David Neleman acrescenta:

-"Já pagámos muita dívida, tomámos decisões nas últimas duas semanas, mais do que em todos os anos antes",

-"A TAP tem uma situação difícil no Brasil e em Angola. É uma empresa que deve muito dinheiro. A TAP tem de ser salva. Estamos dia-a-dia a lutar por isso",

- foi explicado ao Governo "todos os desafios que temos e que todo o dinheiro que colocámos e vamos colocar tem risco",

-“Só falámos que a gente vai cumprir com o contrato que assinámos. Foram as condições que aceitámos quando investimos o nosso dinheiro, explicámos isso tudo”.
-"Nós assinámos um contrato com o Governo e nós assinamos esse contrato com muitas restrições", "um acordo de que não podemos tirar nem um euro de lucro até toda a dívida estar paga".
-"Estamos a investir muito nesta causa de salvar a TAP" e "vamos cumprir o nosso contrato" (4).

*Portugal – 18 de Dezembro de 2015
Segundo o Economico de 18 de Dezembro, Humberto Pedrosa já é mais cauteloso:

-“Estamos disponíveis para confortar o Estado o mais possível, onde o Governo considerar que está mais desconfortável na TAP”

-O problema da maioria ou da minoria é só um problema de gestão. Um minoritário tem alguma dificuldade em poder fazer o que considera mais adequado para a companhia, que se encontra numa situação muito difícil, mesmo ao nível de mercado, uma vez que o mercado principal, o Brasil e a África, estão a viver uma crise”,

“A TAP presida de muito empenhamento, de muitas decisões, e a maioria é importante para poder mandar, para poder gerir”,

 “Se assim entenderem, daremos mais conforto, mais garantias. Estamos disponíveis para confortar o Estado se quiser acompanhar melhor a gestão da TAP, se quiser ter mais informação. Está tudo em aberto da nossa parte”.

Nesse mesmo dia, o ministro do Planeamento ainda é apaziguador:
-“Estamos no início de um processo negocial que, de qualquer forma, deve ser célere até para a estabilidade da própria empresa. Não é uma corrida de 100 metros, claramente, mas creio que estamos a fazer bem”.

*Bruxelas – noite de 18 de Dezembro de 2015, o Primeiro-Ministro
O ícone da opção pela reversão é o drive político da declaração de Bruxelas em 18 de Dezembro de 2015, já noite:

-"O estado retomará 51% do capital da TAP", afirmou esta sexta-feira António Costa, em Bruxelas. "Se não for com acordo é sem o acordo", (5).
Segundo o Publico de 20 de Janeiro de 2016 o ministro do Planeamento reforça a determinação do governo

-Se o Governo considerasse que o negócio está concluído "teria tomado outras opções" para fazer regressar o capital da TAP ao Estado, que não a via negocial com o consórcio,” [os sublinhados são nossos] (6).

*Posição dos accionistas privados – Janeiro de 2015
Quando surge a reversão, os accionistas privados são claros. Começam por afirmar querer cumprir o contrato e, depois, aceitam negociar mas ficando com gestão. Neste novo tempo, dizem que talvez não tivessem concorrido se tivessem sabido.

Segundo o Jornal de Negócio de 13 de Janeiro de 2016,

-“Humberto Pedrosa e David Neeleman reunem com o ministro do Planeamento e Infra-estruturas sobre o regresso da maioria do capital da TAP ao Estado.”.

Neeleman não faz declarações e Pedrosa é cauteloso:

-"está tudo em cima da mesa", "correu bem", "vai haver muito mais reuniões".

David Neeleman em entrevista à Visão de 13 de Janeiro, situa-se no passado:

-“Jamais entraria num concurso para comprar 49% da TAP”.

Depois e sobre o momento que vive, declara:

-“O mais fácil era dizer ‘devolvam-me o dinheiro e eu vou-me embora’. Mas acredito na TAP. Sinto uma grande responsabilidade nas pessoas que aqui trabalham”, justifica.

-“a TAP tem muito valor e não pode morrer. A privatização aconteceu porque os bancos já não emprestavam mais dinheiro e o Governo não podia financiar empresa, porque poderia sofrer fortes represálias de Bruxelas por causa das leis da concorrência”

-”O Governo que temos é este. Tem as suas ideias, temos de a respeitar. O mais importante nesta negociação é a TAP”. (7).


2.Estado accionista e gestor

O Dinheiro Vivo noticia a presença do ministro do Planeamento na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, por requerimento do PCP. Aí declara:

-“Admitimos a possibilidade de partilhar a gestão com o consórcio como já aconteceu nos últimos 15 anos em que a empresa teve uma gestão sem grande influência do Estado, durante a gestão do Eng. Fernando Pinto”, sublinhou, lembrando que “do ponto de vista estratégico a garantia deve ser feita com participação do Estado”.

-uma participação [na gestão] de elementos nomeados pelo governo, através de “uma gestão nomeada em termos que estão a ser negociados”.

O governo quer ser accionista e intervir na gestão. Neste caso, há contradição mais dificilmente sanável com os privados. O jornal lembra a posição de David Neeleman

-“a gestão é o mais importante. Se podes tomar decisões é a coisa mais importante. Já disseram [os membros do Governo com quem se tem vindo a reunir] que estão felizes com o que trouxemos à TAP”, (8).


3.Interferência política na estratégia empresarial  

*O caso das rotas para a Ásia
Cedo temos exemplo do que pode ser a interferência politica na estratégia empresarial:

-em Janeiro de 2013, David Neeleman inverte a decisão anterior da TAP voar para a China, negoceia a opção dos Airbus A350 que seriam necessários e opta por reforçar a presença da TAP nos EUA, o que exige outros modelos de avião mais adequados,

-sobre este assunto, declara: “Os Airbus A350 não foram uma boa escolha para a TAP. Só precisariam desta aeronave se quisessem voar para a China ou para o Japão. Mas, para o Brasil e para a América do Norte, não fazem falta.” (9),

-a 20 de Janeiro, na Assembleia da Republica, o ministro do Planeamento refere também o “potencial de reforço das ligações à Ásia, tendo em conta que a empresa de Neeleman tem um novo accionista chinês, o HNA Group”.
Ignoramos em que estudos de mercado se baseia o ministro. Receamos o pior, a exemplo da decisão politica de 1994 que põe a TAP a voar para Macau – em anexo recordamos este feito do ‘accionista estado’.

Na Assembleia da República o ministro do Planeamento informa sobre o que vai ser a estratégia do accionista estado português político partidário. Em 20 de Janeiro de 2016, o Público informa

-“A convicção é que um parceiro privado com ligações à aviação possa reforçar o hub de Lisboa, não só pelo incremento de ligações a Espanha e à América do Norte e à criação de uma "ponte aérea" Lisboa/Porto, mas também pelo potencial de reforço das ligações à Ásia, tendo em conta que a empresa de Neeleman tem um novo accionista chinês, o HNA Group, explicou o governante. "São opções que genericamente consideramos adequadas.",
"É importante diversificar o risco" associado à dependência da TAP de rotas para o Brasil e América do Sul, disse também o ministro. Ainda assim, Pedro Marques sublinhou que não compete ao Governo neste momento "comentar decisões de quem é dono da empresa".” (10).

*As boas gentes do Norte
Dois factos:

-o presidente da Câmara Municipal do Porto tem informação sobre a TAP cancelar a rota do Porto para o Brasil,

-a TAP cancela rotas intra-europeias a partir do Porto.
Sem diálogo entre autarquia e TAP, sucedem-se tomadas de posição por parte de políticos e sociedade civil do Norte com um denominador comum:

-falta de quantificação e conhecimento da realidade do mercado do transporte aéreo,

-desconhecimento da regulação europeia a que a TAP, privada ou pública, está sujeita (11).

*Sinergias, equívocos e manipulação
A privatização da TAP foi escrutinada do ponto de vista do controle europeu do capital e não da razoabilidade do modelo de governance da empresa privada. 

Não tivemos ainda disponibilidade de analisar este ponto, mas já temos sinais de como as sinergias, que são elemento importante do negócio, podem dar lugar a equívocos, manipulação e mal-estar. Damos dois exemplos a partir do Publico de 20 de Janeiro:

-o deputado Heitor Sousa do Bloco de Esquerda questiona o ministro do Planeamento sobre a compra de aviões "em segunda mão a um parceiro em graves dificuldades financeiras [a Azul, de David Neeleman, vai transferir para a PGA os leasing de 17 aviões] que quer usar a TAP como forma de reequilibrar a sua própria exploração.

-o deputado Bruno Dias do PCP comentou "a entrega da frota excedentária da Azul" à TAP como uma das "negociatas" que serão feitas em torno da companhia portuguesa e garantiu que se está a "anunciar a capitalização da TAP com o pelo do mesmo cão", referindo a possibilidade de venda dos terrenos no aeroporto.” (12).

A Bem da Nação

Lisboa 4 de Março de 2015

Sérgio Palma Brito


Anexo

*Rota de Macau e Air Macau: o longo curso indispensável à TAP?
Segundo o Relatório e Contas da TAP referente a 1994, recebido o apoio publico que evita a falência e no contexto descrito antes, a empresa decide

-“a abertura de voos para o Extremo Oriente, associados à participação numa companhia local, a Air Macau”

-a aquisição, indirecta, de 25% do Capital da Air Macau.

Esta aquisição

-cria “novos e promissores horizontes à sua [da TAP] operação para uma zona geográfica em forte expansão”,

-“Em coordenação com a nova transportadora e utilizando-a como “feeder” e distribuidora preferencial, a TAP projecta, assim, o seu futuro numa área até agora inexplorada, abrindo, em simultâneo, a possibilidade de cooperação técnica e a realização de actividades complementares, indutoras de valor acrescentado à sua actividade principal, potenciando as vantagens sinergéticas e de diversificação das suas capacidades.”

Estas decisões valem investigação que nos informe, entre outros, sobre:

-a TAP depender de voos rentáveis de longo curso e o mercado para uma actividade significativa residir no aeroporto de Macau,

-a decisão empresarial ter origem política, de avião português ligar Lisboa a Macau e ‘ser o primeiro a aterrar no aeroporto de Macau’,

-quem assume a responsabilidade da decisão, presta contas dos prejuízos e e assume as consequências?

Um módico de bom senso e conhecimento do mercado confirmam a ilusão sobre o tráfego potencial da rota e da empresa feeder.

Notas

(1)Sobre ‘accionista estado português político partidário’, ver
Reestruturação da TAP pelo accionista Estado

(2)Ver post
Aeroporto Sá Carneiro – desTAPizar espíritos e desfazer equívocos 

(3)Ver
2016.01.20
Governo garante gestão privada na TAP

(4)O texto deste item e do seguinte é baseado em:
-2015.12.17.JNegócios.Pedrosa.Gold
Novos donos da TAP não estão disponíveis para serem minoritários
-2015.12.17.Publituris.TAP.VamosCumprir
PRIVATIZAÇÃO DA TAP: “VAMOS CUMPRIR O CONTRATO” ASSEGURAM NOVOS DONOS DA COMPANHIA
-2015.12.18.Económico.TAP.MinistroCEleridade
TAP: Ministro quer recuperação "célere" da maioria do capital
-2015.12.18.Economico.TAP.Pedrosa.DarMaisGarantias
Humberto Pedrosa disponível para dar mais garantias ao Estado na TAP

(5)Ver
2015.12.18.Expresso.TAP.BemOuMal

(6)Ver
2016.01.20.Publico.TAP.PartilharGestão
Governo disposto a partilhar gestão da TAP com o consórcio de Neeleman e Pedrosa

(7)Ver
2016.01.13.JNegócios.HumbertoPedrosa.Admite
Humberto Pedrosa admite que as negociações com o Governo terminem este mês
-2016.01.13.Visão.Neeleman.49
http://visao.sapo.pt/actualidade/sociedade/2016-01-13-Jamais-entraria-num-concurso-para-comprar-49-da-TAP
“Jamais entraria num concurso para comprar 49% da TAP”

(8)Ver noticia da Nota (3).

(9)Ver
2016.01.13.Visão.GOLD.Neeleman.A350
David Neeleman explica a venda dos Airbus A350

(10)Ver
2016.01.20.Publico.TAP.PartilharGestão
Governo disposto a partilhar gestão da TAP com o consórcio de Neeleman e Pedrosa

(11)Cer post da Nota (2).

(12)Ver
2016.01.20.Publico.TAP.PartilharGestão
Governo disposto a partilhar gestão da TAP com o consórcio de Neeleman e Pedrosa




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