A importância do aeroporto de Faro no arranque do turismo do Algarve – 1962/1965

O aeroporto de Faro é inaugurado em Julho de 1965 mas a data a comemorar é Abril de 1962, quando a decisão e compromisso políticos de Salazar em o construir marcam o ‘antes’ e o ‘depois’ do turismo do Algarve.

Neste post começamos por apresentar a decisão e compromisso políticos de Abril de 1962 e situar o contexto europeu em que se inserem.

Depois mostramos como desencadeiam a promoção de grandes projectos de imobiliária turística que hoje nos são familiares.

A ideia generalizada da dinamização do turismo do Algarve pelos ‘cinco hotéis de cinco estrelas’ da década de 1960 não corresponde à realidade:

-os hotéis são importantes para o modelo de negócio dos operadores turísticos de pacotes de férias, mas inserem-se da dinâmica de projectos de imobiliária turística (Penina, Alvor, Balaia e D. Filipa) de que apenas um é independente – o Hotel Algarve de grupo financeiro de então. (1).

A realidade é simples:

-desde o início, o turismo do Algarve integrz dois modelos de negócio: as estadias temporárias em hospedagem onerosa sobretudo em pacote de férias e o turismo residencial,

-o primeiro modelo é do conhecimento geral e está no cerne da política de turismo tal como a conhecemos,

-diferente é o caso do turismo residencial, tema polémico e maltratado pela política de turismo, de 1963 à actualidade.

1.Decisão e compromisso políticos de Abril de 1962,

*Abril de 1962 – decisão e compromisso políticos do governo
Em Abril de 1962 o governo aprova um decreto-lei que estipula:

-“As despesas resultantes da construção e equipamento do aeroporto de Faro, previsto no II Plano de Fomento, serão feitas com dispensa no cumprimento de todas as formalidades legais, incluindo o visto do Tribunal de Contas”.

Comecemos pelo II Plano de Fomento para 1959-1964, que

-não inclui o Aeroporto de Faro, apenas reconhece ser “da maior urgência dotar a ilha da Madeira de um aeroporto, que satisfaça as necessidades do turismo” a “ser completado com um aeródromo na ilha de Porto Santo”.

Oprevisto no II Plano de Fomento’ é uma peta politica para justificar a decisão que segue (2).

A dispensa de “todas as formalidades legais, incluindo o visto do Tribunal de Contas”

-lembra as dos decretos-lei de 1944 e 1947 sobre o “serviço especial denominado Transportes Aéreos Portugueses (T.A.P.)” encarregue da exploração de “carreiras aéreas de grande interesse nacional” com despesas “independentemente do cumprimento de quaisquer formalidades, inclusivamente as do visto do Tribunal de Contas” (3).

Tudo parece indicar que se trata de decisão e compromisso político de Salazar.

*Decisão e compromisso abrem caminho para dupla ruptura política
A decisão de 1962 faz com que a dinâmica do novo turismo rompa com

-a visão pacata do turismo de país periférico com acesso aéreo medíocre e caro,

-o turismo da hotelaria tradicional tal como o próprio Salazar o define na Lei de 1954 e ao qual acorda os generosos benefícios fiscais da Utilidade Turística (4).

Os grandes projectos da imobiliária turística do Algarve

-são aprovados informalmente pelo Ministro das Obras Públicas na ausência de competência legal,

-têm a oposição aos Serviços de Turismo, integrados no SNI e na dependência de Salazar,

-justificam pesquiza adicional que esclareça a relação entre Salazar e Eduardo Arantes e Oliveira, que virá a ser afastado do MOP em condições que lembram as de Duarte Pacheco na década de 1930 (5).

*Realidade e ruptura da dinâmica do novo turismo do Algarve
A dinâmica do novo turismo do Algarve rompe com a realidade do ritmo de crescimento pacato da oferta exclusivamente hoteleira do turismo em Portugal. 

Esta realidade é ilustrada em Janeiro de 1961, pela exposição Política de Turismo Seis Anos de Acção, hossana excessivo ao crescimento do turismo da hotelaria tradicional entre a Lei de 1954 e 1960:

-a capacidade hoteleira do país cresce 24%, e o número de turistas passa de 165 mil a 353 mil.

A referida dinâmica rompe também com a versão Algarve desta realidade nacional. Na abertura do I Colóquio Nacional de Turismo associado à exposição, o ministro da Presidência Pedro Teotónio Pereira aborda o turismo do Algarve na perspectiva de continuidade do modelo tradicional:

-“Há três dias apenas que pusemos a funcionar a grande zona turística de Sagres. […] Sagres, estou certo disso, vai ser o grande motivo de atracção, ao mesmo tempo meta e porta de entrada de uma região privilegiada que se conservou, no entanto, muito tempo à margem do grande caudal do turismo.” (6).

Em 10 de Junho de 1962 o Eng.º Pessanha Viegas detém-se “um pouco na análise do que tem sido a interferência humana nestes últimos dez anos “. Faz um balanço e Reconhece que esta “interferência humana”

-“se limitou à construção dos hotéis de Monte Gordo, Meia Praia (Lagos) e Baleeira (incompleto), da Pousada de Sagres e da estalagem de Lagos e do Parque de campismo de Monte Gordo. Entretanto a ampliação do Hotel Faro está paralisada de há muito – sem ter entrado ao serviço – e o Hotel de Vila Real de Santo António fechou já lá vão uns anos.” (7).

Este é o turismo do Algarve, na política de turismo de então e no terreno. O Algarve vai ser palco da maior ruptura que a economia do turismo conhece em Portugal.

*O turismo no planeamento nacional e regional
Em 10 de Junho de 1962 o Eng. Pessanha Viegas, responsável dos serviços regionais da Direcção Geral dos Serviços de Urbanização, assina os exemplares dactilografados do seu “Um Plano de Aproveitamento Turístico do Algarve”.
Ainda em 1962, o SNI começa a elaborar o “Plano de Valorização Turística do Algarve”, um plano que ignora a nova realidade da imobiliária turística e se reduz à hotelaria.

No início de 1963, o Ministro das Obras Públicas decide a elaboração do Plana Regional do Algarve, no modelo do Plano de Urbanização da Costa do Sol do ministro Duarte Pacheco seu antecessor no MOP. Dos documentos deste plano destacamos:

-Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização Planeamento Urbanístico da Região do Algarve – “Esboceto” e Orientação Geral, Relatório do Gabinete Técnico do Plano Regional do Algarve, Lisboa, 1964.

Entre 1962/1963 os tecnocratas que criam os onze Grupos dos Trabalhos Preparatórios do Plano de Investimentos para 1965/1967 têm criar mais dois grupos para actividades que lhes apareciam como menores e politizadas: as Pescas de Henrique Tenreiro e o Turismo ligado à propaganda e informação do SNI (8). Pela sua grande qualidade e actualidade, destacamos

-Presidência do Conselho Relatório Preparatório do Plano de Investimentos para 1965-1967, Relatório do Grupo de Trabalho nº 13, Turismo, Lisboa, 1964.

2.Contexto europeu da decisão e compromisso políticos de 1962

*Operadores de pacotes de férias e explosão do transporte aéreo
No terceiro sábado de Maio de 1950, um DC-3 Dakota reconvertido em avião de passageiros transporta 32 passageiros entre Gatwick e a Córsega.

Um operador turístico organiza os primeiros pacotes de férias (o package holiday) em que o transporte aéreo é assegurado por uma cadeia de voos “charter back to back”. O crédito pela inovação é reconhecido a Vladimir Raitz que para o efeito cria o operador Horizon.

O preço do package é 32 libras e 10 xelins e compreende transporte, transfers, assistência local, alojamento em tendas de campismo, refeições e vinho local à discrição. O preço de ida e volta Londres-Nice com a British European Airways é de 70 libras (9).

No início da década de 1960 já há operadores turísticos similares nos países do Norte da então Europa Ocidental, para cá da Cortina de Ferro.

*Entretanto, em Espanha
Na Espanha do final da década de 1950 o modelo económico de autarcia está em ruptura. Em Julho de 1959 a ruptura é consumada com a aprovação do Decreto-Ley de Nueva Ordenacion Económica. Entramos no tempo da intensificação das relações com o exterior, da liberalização das importações, do investimento estrangeiro, da supressão de parte do intervencionismo estatal na economia e da fixação da paridade da peseta pelo FMI.

O arranque do turismo internacional para Espanha tem lugar durante a década de 1950. Entre 1950/1962,

-o número de visitantes estrangeiros com passaporte cresce de 457k para 6.390k e o das chegadas de visitantes aos aeroportos cresce de 59k para 826k.

Na Costa del Sol o aeroporto de Málaga abre o caminho para a formação de uma área turística por influência dos mesmos dois modelos de negócio do Algarve:

-estadias temporárias em hospedagem onerosa sobretudo em pacote de férias e turismo residencial.

Em Julho de 1962, no âmbito de uma vasta remodelação, Manuel Fraga e Iribarne assume a pasta de Información y Turismo. Cria Subsecretaria de Turismo, com as direcções gerais de Promocion del Turismo e de Emplesas y Actividades Turísticas.

Em Julho de1963 é aprovada a Ley de Competencias Turísticas, explicitada pelo decreto de 14 de Janeiro de 1965 que aprova o Estatuto Ordenador de las Empresas y Actividades Turísticas (10).

*Algarve na Bacia Turística Alargada do Mediterrâneo
O Aeroporto de Faro permite integrar o Algarve na Bacia Turística Alargada do Mediterrâneo, cujos limites se estendem para Oeste e Sudoeste, ao Algarve, ilhas atlânticas e costa marroquina, e para Este aos mares Negro e Vermelho.

A Bacia forma-se, a partir dos anos cinquenta do Século XX, pelo desenvolvimento rápido e simultâneo de várias áreas turísticas, cada uma formada em torno do aeroporto, que a torna acessível às classes médias do Norte da Europa. As áreas turísticas desenvolvem-se segundo modalidades, tempos e morfologias diferentes, mas partilham elementos invariantes. 
Acessibilidade aérea, mais tempo livre e rendimento disponível oferecem uma geografia, dimensão e diversidade novas, à procura da viagem para estanciar durante o tempo livre.

3.Grandes projectos de imobiliária turística da iniciativa privada
A listagem que segue inclui os mais importantes projectos de imobiliária turística que são consequência directa da decisão e compromisso políticos de Salazar de 1962.

*Projectos de 1962 em Albufeira
Em 15 de Outubro de 1962, um promotor inglês requer à Câmara Municipal as licenças para um grupo de 20 habitações, que acabar em Junho de 1963. As moradias são vendidas na condição do proprietário ceder a sua fruição ao promotor durante os meses de Abril a Outubro, por período mínimo de cinco anos. Nos meses de Novembro a Março as casas serão utilizadas pelos respectivos proprietários, ou permanecerão arrendadas ao promotor. É esta a origem da Aldeia Turística das Areias de S. João e as moradias estão ocupadas pela Economia da Noite na Oura, dada a proximidade da Praia da Oura.

Em Outubro de 1962, o promotor requer ao SNI a construção de um hotel de turismo, com 150 quartos, num terreno de 5 hectares a Nascente de Albufeira. 
Em Outubro de 1963, o programa já compreende hotel de 50 quartos, motel de 15 apartamentos e 48 bungallows. É hoje o Auramar.

Datado de Novembro de 1963, o projecto das Areias Douradas ocupa cerca de 300 hectares, a poente de Albufeira, desde a Ponta da Baleeira até à Galé. A complicada estrutura fundiária dos 300 hectares e a alternativa de Vale do Lobo explicam o abandono deste projecto.

*Penina e Vale do Lobo em 1963
Entre 1962/1963 os projectos da Penina e Vale do Lobo inovam pela sua extensão (cem e mais hectares), campo de golfe e venda de moradias para alargar a procura e financiar os projectos (11). O financiamento dos futuros hotéis Penina e D. Filipa é indissociável da dinâmica dos projectos de imobiliária turística em que se integram.

Os Serviços de Turismo opõem-se formalmente ao licenciamento dos dois empreendimentos. Sem as decisões do Ministro das Obras Públicas que ultrapassa esta oposição, os actuais empreendimentos turísticos da Penina e Vale do Lobo não existiriam.

Dada a valia de cada um dos empreendimentos, o ministro das Obras Públicas 

-autoriza a venda de lotes para “construção de moradias, em parte da propriedade, para refinanciamento da operação”.

*Empreendimentos da Prainha, SALVOR e Anglopor

1.Prainha. Em Julho de 1963, o projecto de Anteplano de Urbanização de Uma Unidade Turística – Aldeia da Prainha ocupa 6,5 hectares, com 250m frente de mar (12). Prevê, entre outros, dois hotéis, cerca de 85 moradias, e “população turística” de 600 a 700 pessoas, ”distribuída aproximadamente em duas partes iguais: uma referente ao grupo dos hotéis, e a outra ao aldeamento.”.

2.Terreno do Hotel Alvor. Em 1963, a empresa promotora apresenta à DGSU o anteprojecto do que virá a ser o Hotel Alvor. Apesar de ser um empreendimento do Grupo CUF o seu licenciamento não é facilitado. Tudo acaba por correr bem porque a declaração de utilidade turística prévia é confirmada pelo Presidente do Conselho em Outubro de 1965.

O projecto de imobiliária turística é proposto em 1969: moradias isoladas e em correnteza, bloco de apartamentos, com oito pisos, para habitações mais económicas, em terreno junto à estrada e um aparthotel, em torre com cerca de 12 pavimentos. O projecto não é implementado.

3.Emprendimento da Anglopor na Praia de Alvor. Em Novembro de 1964 a Anglopor requer ao SNI a aprovação do “Estudo urbanístico de um conjunto turístico para as praias do Alvor e Três Irmãos”, situado num terreno de 31 hectares e 1.050 m de frente de praia. Entre outros, prevê quatro unidades hoteleiras, cada uma rodeada de seis torres de dez andares residenciais. Depois de várias peripécias, em Abril de 1965, a Anglopor requer a aprovação do Plano de Urbanização de um Complexo Turístico nas Praias de Alvor e Três Irmãos, e em Maio de 1965, o Ministro das Obras Públicas aprova o Plano.

*De Vila Lara a Vilamoura, passando pela Praia Maria Luísa
O primeiro projecto de Vila Lara é aprovado pelo MOP em Novembro de 1964. O processo segue o seu curso e obtém as generosas isenções fiscais da declaração de utilidade turística reservada a hotéis. O projecto inclui imobiliária turística o que obriga o promotor a renunciar a este estatuto em Julho de 1972.

Depois de longa preparação em 1965 um promotor apresenta o Plano Geral de Expansão da Praia Maria Luísa elaborado pelo arquitecto Conceição e Silva, um “estudo de expansão e desenvolvimento turístico duma faixa costeira do Algarve, entre Olhos de Água e Balaia”. A empresa promotora do Hotel da Balaia, que ocupa um lote deste Plano, é informada da urbanização do terreno em Setembro de 1965 e o anteprojecto do hotel é submetido ao Comissariado do Turismo em Agosto de1966.

Em Maio de 1964 e no âmbito do Plano Regional do Algarve, Vilamoura é um das áreas de concentração de empreendimentos turísticos, e a única em que o estudo relativo a Vilamoura fica a cargo do promotor, a Lusotur SARL. Em Outubro de 1964 a empresa requer definição formal das possibilidades e limitações do empreendimento pretendido. Em Novembro de 1965, a Lusotur apresenta o Anteplano de Urbanização da Estação Turística de Vilamoura: 12.000 habitantes de população residente, 38.000 de população turística e mais 10.000 no exterior. A área submetida a estudo de urbanização é de 1054 hectares, dos quais, 323 de espaços verdes; é prevista uma grande exploração agro-pecuária em 577 hectares, por acréscimo da rentabilidade geral e por factor de segurança.


A Bem da Nação

Lisboa 7 de Julho de 2015

Sérgio Palma Brito


Notas

(1)Todas as referências ao turismo do Algarve têm a mesma fonte em livro de nossa autoria: Território e Turismo no Algarve, disponível em

(2)Decreto-Lei nº 44299, de 24 de Abril de 1962 e Presidência do Conselho (1968a) Relatório da Execução do II Plano de Fomento, Metrópole, Imprensa Nacional, Lisboa.

(3)Sobre os decretos-lei de 1944 e 1947, ver o Documento de Trabalho TAP Air Portugal - Notas Genealógicas (1944/2012) em https://drive.google.com/file/d/0Bwm0NmwjZfYiT05DU1JUOEgxazQ/view?pli=1.

(4)Lei n.º 2073, de 23 de Dezembro de 1954.

(5)Ver Sérgio P. Brito, Notas Sobre a Evolução do Viajar e a Formação do Turismo, Media Livros, Lisboa, 2003.

(6)Ver Sérgio Palma Brito, Direcção-Geral do Turismo – contributos para a sua história, Turismo de Portugal, Lisboa 2011.

(7)Ver, Alberto A. P. Viegas, Um Plano de Aproveitamento Turístico do Algarve, dactilografado, Faro, 1962.

(8)Ver livros das Notas (1) e (5) e documentos citados, disponíveis no Centro de Documentação do Turismo de Portugal.

(9)Roger Bray e Vladimir Raitz, Flight to the Sun: The Story of the Holiday Revolution, Continuum International Publishing Group, London and New York, 2001. Sobre Regulação do Transporte Aéreo ver post em preparação.

(10)Ver o monumental AAVV, 50 Años del turismo español – un análisis histórico e estrutural, Editorial Centro de Estudios Ramón Arces, SA, Madrid, 1999.

(11)Sobre estes projectos ver o post Penina e Vale do Lobo – Inovar em 1963

(12)Como mostramos no livro sobre Território e Turismo no Algarve, o ministro das Obras Públicas licencia empreendimentos turísticos sem ter competência legal e ignorando ou contrariando os Serviços de Turismo. As designações de Anteplano de Urbanização, Estudo urbanístico, Plano de Urbanização, complexo turístico e Plano Geral de Expansão são informais. Quando legais (Plano e Anteplano de urbanização) são utilizadas de maneira inadequada com a sua definição legal.


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